Eu estava muito ocupado com a
faculdade de engenharia, era tão difícil, cheguei a me perguntar diversas vezes
se era isso mesmo que eu queria, eu tinha comigo uma insistente vontade de
vencer. Sou de família humilde e muitas vezes tinha que decidir entre comida e
o transporte para ir para a faculdade.
Eu tinha um temperamento calmo,
seguro, introvertido, uma espécie de vidro blindado de “não mexa comigo”. Vivi
assim por anos, focado nos estudo e eis que conheci a Cíntia, uma mulher
encantadora que eu desejei viver com ela por muitos e muitos anos desde o dia
em que a conheci.
O acaso fez com que nos
conhecêssemos, até porque um homem tímido não tem estratégias de paqueras, até
tem, mas não com êxitos no currículo, além do mais eu era de exatas.
Foi amor à primeira vista da parte
dela também. Caramba como eu era sortudo, será que era isso mesmo ou o destino
me pregaria a primeira grande desilusão, estava nervoso e sem nenhuma confiança
de que nós pudéssemos dar certo. Vontade eu tinha, mas sem nenhuma autoestima.
Ela aprendia fácil a matemática que
eu ensinava para ajudá-la na prova da faculdade de administração, ela não
entendia muito o sentido das fórmulas e foi assim que nos aproximamos.
Sempre fui bem comportado, mas tinha
uma necessidade de aparecer para ela, eu acho que me perfumava em excesso,
vivia mexendo no cabelo, até gel passei a usar, um estilo bem na moda à época.
Ela tinha carro, eu mal a passagem do
busão, ela era espirituosa, eu não conseguia nem rir de piadas, ela era
esforçada para tirar boas notas e eu precisava tirar boas notas para garantir
meu futuro, tudo na base da pressão interna.
Custei a acreditar nela quando ela
foi soltando o quanto gostava da minha companhia, o quanto sentia saudade, o
quanto eu era incrível. Sério! Nesse dia em que ela me falou que eu era
incrível, eu nem dormi direito, fui até ler dicionário para tentar entender
melhor o que era incrível na opinião dela.
Eu entrei na vida dela e ela na minha,
formamos um casal de namorados dois anos depois, eu era lento e sem saber
desviei vários beijos na boca para recebê-los na bochecha, sem saber e sem
notar. Ai que bocó.
Já era um homem crescido e formado
quando decidi pedi-la em casamento, nós éramos jovens, já trabalhávamos nas
nossas respectivas áreas, já tínhamos dinheiro para comprar uma casinha e eu já
tinha um carro e um cachorro, o Bread.
Jantamos num restaurante escolhido
para a ocasião, comprei um anel com diamantes lindo e estava muito nervoso, mas
foi uma noite inesquecível, a mais linda e decisiva da minha vida.
Juntamos nossa renda familiar e nos
casamos, um casamento simples, para os íntimos e com o pôr do sol de fundo, era
ótimo estarmos casados, apesar deu acreditar que tudo tem o seu tempo, poderia
ter casado antes. Ela é de incrível convivência e nossa sintonia me
impressiona.
Parecia bem lógico que iríamos ter
filhos logo, mas isso não aconteceu, desejávamos dois, de preferência um casal,
os nomes estavam escolhidos desde antes do casamento, mas os anos se passaram e
os filhos não vieram, mesmo que não evitássemos.
Suas amigas estavam tendo bebês e
isso a fazia ficar chateada, seu corpo estava começando a cobrar isso dela e
ela começou a se trancar no quarto e a chorar sem motivo, o motivo existia, mas
o “nada não” sempre vinha como resposta, ela não queria me pressionar nem me
fazer sentir culpado, já que nossos exames nada apontavam.
A ideia de não ter filhos começou a
assustar, quando começamos a namorar já fazíamos planos com isso, já pensávamos
numa casa com localização perfeita, perto de creche e perto também dos nossos
trabalhos.
Voltamos da nossa lua-de-mel achando
que um bebê estava a caminho, mas nada se concretizou, a nossa casa tinha sido
comprada para receber crianças, tinha dois quartos específicos para isso.
De natureza doce, calma e de sorriso lindo,
minha amada esposa finalmente aceitou como destino o fato da não maternidade, acho
que nunca vi algo tão resiliente em toda a minha vida.
A adoção começou a rondar nossas
cabeças, não vamos tomar nenhuma decisão precipitada, mas vamos nos mexer pois
processo de adoção demora um pouco, viramos caçadores de bebês, começamos a
visitar abrigos até que nos apaixonamos por um serzinho indefeso e com cara de
sapequinha.
Nossos olhos se iluminaram. Ah
amorzinho, será que é este? Sim era aquele menino negrinho, de olhos
arregalados, elétrico e sorriso fácil, ele parece gostar de nós e nós nos
encantamos. O escolhido pelo destino, o nosso tesouro mais valioso.
- Arcise Câmara
- Crédito de Imagem: http://carolamontoro.blogspot.com
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