Era tarde demais para levar o
lixo lá fora sem problema, era tarde para tentar enganar a minha revolta
interior em estar infeliz, era tarde para se fazer de coitadinho apaixonado,
era tarde para tentar ser amigo.
Ah, por que não uma reconciliação?
Porque estou farta de segurar essa relação sozinha, minhas costas se
desgastaram, minha paciência acabou, eu nem estava gostando tanto quanto antes,
eu também não me sentia culpada por me sentir solteira novamente, estava com a
mente saudável e com bastante energia.
Bati inúmeras vezes na mesma
tecla, eu achava que havia encontrado o homem dos meus sonhos, o companheiro de
jornada, um homem capaz de representar o papel de bom marido, que eu podia
consultá-lo para qualquer coisa sem ser julgada, que pudéssemos viver na
verdade e de verdade.
Muitos intrusos dominaram a nossa
relação, era palpites de toda ordem, sogra, cunhada, sogro, cunhado, amigos,
qualquer palpite parecia inofensivo, mas virava qualquer cabeça, tudo era imprevisível.
A única previsibilidade eram as brigas constantes.
Ficamos despreocupados com a
relação, empurrávamos com a barriga, parecia que nada romperia esse lar,
estávamos infelizes e acomodados, de um jeito ou de outro, o fim era esperado.
Sabíamos que algumas pessoas
prejudicavam nossa relação, pelo menos ter esta consciência era bom para nós,
porém as provocações não cessaram e em meio ao caos e com o divórcio batendo na
porta resolvi engravidar.
A experiência da gravidez foi um
luxo! O momento era o meu preferido, na altura do campeonato eu nem me lembrava
que eu tinha marido, ele reagiu de forma inaceitável, sentiu-se traído e
desapontado, a gravidez não nos aproximou, ao contrário nos afastou ainda mais.
Olhos esbugalhados era sinônimo
de princesinha recém-nascida, sono tranquilo só o dela, eu sempre tinha
expressão de mãe abobada que vive num eterno paraíso com euforia de ganhadora
da mega sena acumulada protegendo seu tesouro mais precioso.
Minha filha e eu nos tornamos
amigas desde o primeiro olhar, eu me sentindo uma fortaleza e ela pequena,
frágil, indefesa, com sorriso unicamente gengival e olhinhos azuis igual
peteca.
Segundo Freud explica eu me
sentia mais humilde, mais medrosa, mais predadora para defender minha cria,
mais celestial e com bastante dificuldades em estabelecer rotinas,
principalmente com a sua insistência de fazer xixi e cocô após banho tomado,
frauda trocada e perfume desperdiçado, fazendo-me gargalhar de ódio.
Sorrir diante das frustrações era
tão comum nessa fase, até as coisas ruins tinha um fundo bom, estranho né? Eu
poderia discorrer horas sobre isso, mas posso resumir em uma única palavra:
Amor.
Eu não sei ser mãe, ninguém me
preparou para isso, mas eu parecia melhor não me apressei em ter todas as
informações, não tripudiei em cima de mim para ser perfeita, não me rodeei de
livros e sites a respeito, procurei apenas ser mãe o máximo de horas que eu
podia, contextualizei todos os bons momentos, preparei com cuidado e dedicação
o batismo.
Acredito que mais acertei que
errei. Na minha relação com a minha filha, pessoas acostumadas a se meterem na
minha vida também palpitaram, mas deixei ela se meterem o quanto quisessem e
tomava minhas próprias decisões em parceria com a pediatra.
Meu casamento terminou, eu não
tinha tempo para pensar nele, nem em desistir, ele percebeu que estava sobrando e se foi.
- Arcise Câmara
- Crédito de Imagem: http://noticias.bol.uol.com.br
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