sábado, 25 de janeiro de 2014

Não ter medo



Eu olhava pela fresta para saber se estava tudo bem, meu amigo acabou de saber que está com uma doença degenerativa e me pediu para deixá-lo sozinho, ele tinha apenas 31 anos, jovem, bonito, doutor, noivo e com uma vida quase interrompida e cheias de "se".

Minha Nossa senhora Aparecida! cuida dele para mim, não permita que ele faça nenhuma besteira, os médicos poderiam estar enganados, tudo não passaria de uma grande peça que o destino quis aprontar. A gente repetia os exames e tudo estava certo. Assim como um passe de mágica.

Esperei gritos, soluços, revolta, soco no travesseiro, esperei que ele quebrasse o quarto inteiro e gritasse PORQUE EU???

Ninguém acredita que vai morrer tão cedo, por mais esperança que tivéssemos era definitivo, a vida esta se despedindo deste jovem rapaz cheio de vida, os melhores médicos haviam dado o diagnósticos confirmados por toda a equipe.

Doeu em mim! comeu eu poderia suportar a partida do meu melhor amigo, como deixar ir um filho único, como ele pode estar tão sereno? tranquilo em paz?

Era um despropósito aquilo tudo, tudo bem, eu grito por ele, eu me revolto por ele, eu brigo com Deus.

Eu pedi licença para entrar, ele ainda estava em conflito interno e quando eu entrei ele sorriu. Viu meu olhos brilhantes de lágrimas e me confortou. Se Jesus quer eu também quero.

Deu um sim para a outra vida como quem vai se casar com a amada, com total alegria e desprendimento, lembrava dele me falando daquele jeito me despindo a alma, a minha arrogância diante da vida se dissipou.

Sua morte ou passagem foi noticiada por todos os cantos, sofreu horrores, mas não reclamou um único momento, colocou fé e luz em cada leito pelo qual passou. Não deixou que seu sofrimento o impedisse de amar.

Me ensinou a amar sem medidas, de vários modos, não estava muito perto, nem muito longe, estava no coração, na saudade, na certeza do reencontro.

Venceu todas as argumentações com a sua vida, o câncer não o venceu, o câncer não o tornou ranzinza, amargo, reclamão, o câncer só fortaleceu os laços que já existiam e construiu outros laços, outras pontes. Pontes de felicidade. 

À época eu não era paciente. Não entendia o anticonvencionalismo de não morrer velhinha, deveria ter regras para a morte, para a vida, para as conversas, mais doces e menos estresse.

Falava tudo que pensava, sem me preocupar se agradava ou não, defendia minhas verdades com unhas e dentes e com esse meu jeito de ser pedi um milagre.

Começava a minha luta interna para que meu amigo não partisse, o problema é que ele já havia partido. Só eu que ainda não tinha internalizado. O desgosto tomou conta de mim, foi difícil aceitar os fatos.

Minha vida não estava à altura de minhas necessidades, faltava um amigo, um grande amigo. Desabafei tudo que pensava e sentia, deixei de lado a maldade, o pecado, me inspirei, queria ser como ele, era a única forma que encontrei para não deixá-lo morrer dentro de mim.

Fiquei aberta a tudo, feliz nas conquistas diárias, cresci um bocado, tinha mil razão e um propósito, torná-lo vivo dentro de mim, todos andavam muito curiosos, eu tinha parado de sofrer. Acho que fui sábia em ser uma pessoa melhor, em me espelhar naquele novo olhar, em não o deixar morrer.

Menti que buscaria ser assim, digo menti porque tropeço demais, a vida dele era tão simples, a minha vida não era igual de todo mundo, mas existiam coisas negativas me rondando.

Demorou mais fiquei em paz, em casa com paz, no trabalho com paz, em paz com a vida.


- Arcise Câmara

- Crédito de imagem: https://Flayahmartins.blogspot.com

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