Não foi nada fácil vê-lo voltar
ao normal depois da perda da mãe, único filho e companheiro de uma mãe viúva,
faltava um pedaço dele, o primeiro dia de inúmeros dias sem a sua presença.
Mesmo que ela estivesse doente a bastante tempo, não há como suspirar ou ter
esperança feliz depois de sua partida.
Demonstrou sua tristeza se
recolhendo e eu precisava respeitar este espaço, não era incomum filhos adultos
perderem suas mães, mas a dor não se compara a nenhuma suspeita ou hipótese de
perder quem amamos.
Com cautela estive distante,
fiquei na minha, dando espaço para ele respirar, dando espaço para o diálogo
com sua dor, seus questionamentos, sua negação, ira, raiva, seu
descontentamento, o fortalecimento ou não de sua fé.
Fui destemida quando resolvi me aproximar
antes de um mês de sua partida, sei que ele não queria ninguém por perto,
queria sofrer sozinho, levantar a cabeça, olhar para o alto, tentar sintonia.
Certa manhã fui lá, levei
biscoitos crocantes e deliciosos com recheios de goiabada, frutinhas e cereais
mesmo sabendo que fosse o que fosse ele não comeria, tinha perdido o apetite e
emagrecido muito.
A dor nos dá certas facilidades e
desregula nosso cérebro para alimentação, mesmo os mais esfomeados perdem o
apetite, saem dos trilhos, ficam pele e osso e com olhos fundos e escuros, além
do olhar de peixe morto.
Poderia deixá-lo sozinho mas não
quis, queria dividir aquela dor imensa, queria que ele percebesse o quanto o
seu sorriso e seu alto astral me fazia falta, queria poder dizer que desse
jeito não é o melhor jeito, mas ao mesmo tempo não queria invadir espaços nem
adiantar o tempo de cura, talvez possa chamá-lo para sair, dar uma volta no
quarteirão, ver como ele se comporta. Percebi naquele instante o seu desejo de
se esconder do mundo e até das próprias dores.
Mesmo assim ele topou respirar um
ar diferente comigo, rodamos quatro quarteirões, a pé mesmo, foi cerca de uma
hora, fomos devagar, conversando, me esforçando para não falar nada que o
deixasse mais triste ainda, mais saudoso, mais down.
Ele de um lado e eu do outro, as
palavras se iam e nós ficávamos em silêncio, mas não um silêncio que doía, era
algo normal, nada agitado, nem lento, era a força do silêncio, não um silêncio
forçado e sim um silêncio espontâneo.
É difícil perder nossos bens mais
estimados, ah não é quase impossível, é como pisar em falso próximo ao abismo e
ter que se equilibrar para sobreviver, ou dar pequenos passos em terreno ruim e
seguir em frente sem saber por qual caminho ir.
Ele tinha que sair, mudar o processo
das coisas, estar disponível para si mesmo, eu sempre lembrava dele vividamente,
com exageros no falar, apressado e trapalhão, mandão e risonho, comportamentos
bem racionais quando era chamado a ajudar a quem precisava.
Sua tristeza não durou o resto de
sua vida, mas sua saudade ocupou um parte do seu coração e ficou lá
escondidinha e sem muito esforço aparecia e com muita dificuldade voltava para
seu lugar e aconchego. Não era mais um
horror estar só, a gente se habitua a muitas coisas, nem esquisito, aos poucos
a tranquilidade e a felicidade foram aparecendo como um novo amanhecer.
- Arcise Câmara
- Crédito de Imagem:http://meus-pensamentos-aleatorios.blogspot.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário