Cinco eternos minutos a espera de notícias, estou aflita,
não consigo pensar em outra coisa, a doença está levando toda a minha paz de
espírito, toda a certeza da cura. O sofrimento está se intensificando.
A espera é angustiante, cada segundo parece vinte e quatro
horas, cada boletim é um coração saltado, cada visita do médico é a
concentração para entender o diagnóstico sem a dramatização das emoções.
Nenhum deles diz uma palavra de conforto, o melhor é
esperar, entregar nas mãos de Deus, rezar ou orar, meditar, fazer todas as
declarações de amor possíveis aquela declaração que ficou na gaveta.
Ele me agarra de repente, quer se despedir, quer que eu
seja feliz, não quer que eu chore pela sua partida, estou com lágrimas
escorrendo pelo rosto, soluços e prantos, eu não quero deixá-lo ir.
Senti um desespero apaixonado em seu beijo, ele também não
quer ir, é jovem, robusto, trinta e quatro anos, com uma vida pela frente, com
projetos de mestrado, com o sonho de aumentar a família.
Eu fico aliviada com a sua vontade de viver, apesar das
declarações de despedidas, dos gestos de adeus, o sinto lutando a cada
minuto, lutando por mim, por nós, pela vida e pelo prazer de viver.
Ontem o médico falou que não há chances, o câncer se
espalhou, as dores serão inevitáveis, a morte está próxima e diante daquela
avalanche de notícias eu me recolhi, como posso perder o meu presente mais
precioso?
Conversei com o mestre do universo, indaguei-o sobre os
seus planos, o que ele queria de mim? O que ele queria de nós? Entreguei-me
totalmente. Foi difícil mas precisava respeitar sua vontade.
Hoje me sinto muito melhor, não busco entender o que se
passa e sim aceitar os fatos como eles são. Foge do meu entendimento tentar
entender alguma coisa, os mistérios da vida e da morte não são desvendados
nesta terra.
Minha melhor estratégia era viver bem cada minuto, viver
aquela frase repetida quinhentas vezes: viva cada dia como se fosse o último. É
assim que procuro viver no momento sem tantas preocupações.
Ele passou mal pela primeira vez após o diagnóstico, meus olhos
se arregalaram, eu estava talvez mais nervosa que ele, estava aflita por
dentro, fingindo uma força que eu não tinha, afirmando que as coisas iam
melhorar sem eu ter a certeza disso. Mentindo para agradar meu desejo de que
isso fosse verdade.
Tornamo-nos amigos, mais amigos ainda, uma espécie de
encontro de almas, tudo tinha sentido, estávamos sintonizados na dor e no amor,
estávamos felizes por passar por isso juntos, pela troca e cumplicidade de saber
que ele tinha a mim e eu o tinha.
Quando ele foi desistindo de se alimentar e assim
instalaram a sonda, tive voz enfática, xinguei, briguei, chorei, pedi que pelo
amor de Deus que ele lutasse se não por ele pelo menos por mim, pela nossa família.
Eu não tinha o direito de dizer isso, eu não podia cobrar
forças de alguém se eu mesma já estava sem forças, eu não podia exigir mais do
que ele estava disposto a lutar, eu não podia pressioná-lo desse jeito,
causando estresse.
Eu não tenho o direito de proibir nada, de tornar o ambiente
pesado, eu não tenho o direito de tornar as coisas piores, eu não tenho o
direito de desrespeitar sua vontade, a vontade de se entregar a partida.
Assim ele se foi, partiu com um tom sereno e amável, treze
dias após a internação, partiu com sorriso no rosto, partiu materialmente mas
se alojou dentro de mim. Não tenho dúvida que ele está presente no espaço. Está
entre nós.
Aos poucos fui recuperando a rotina. Não é fácil! Ter que
trabalhar com o coração em frangalhos, ter que sair de casa sem a menor
vontade, ter que se concentrar quando os pensamentos e sonhos só remetem a
lembrança dele.
Não vou brigar com ninguém que me diz que sou jovem, tenho
uma vida pela frente, que vou encontrar outro amor, não vou brigar por
pensamentos e palavras de pessoas que não respeitam meu recém-sentimento de
perda. Não é hora de pensar em outro alguém, de fazer planos de casar de novo.
O que você queria mesmo no momento era partir também e se casar no céu, com
flores e velas, com Jesus e Maria como testemunhas.
Sinto seu cheiro delicioso no meu nariz, sinto seu perfume
pela casa, sinto sua presença no meu cotidiano. Você se foi, eu o enterrei,
joguei flores e terra em cima, mas é como se não tivesse ido. Está difícil
se desacostumar.
Como de costume conversávamos após as refeições, como de
costume íamos ao cinema semanalmente, como de costume dormia entrelaçada em
seus braços, como de costume dividíamos despesas e afazeres domésticos.
Fique entediada, tudo perdeu o sentido, falta pernas,
braços, complemento, falta a sensibilidade do seu carinho, do seu olhar. Tenho
que entender o incompreensível, tenho que aceitar o rompimento, na certeza que
um dia nos encontraremos.
Não quero ler nada de positivo no momento, não quero ouvir
que foi da vontade de Deus, quero utilizar a negativa, a raiva para aliviar
minha angustia, quero passar por todos os sentimentos e questionamentos até
absorver tudo isso.
Vai em paz meu amor!
- Arcise Câmara
- Crédito de Imagem: http://blogs.diariodepernambuco.com.br
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