terça-feira, 8 de abril de 2014

Sente o baque


Ter uma pessoa doente na família não é fácil, eu me desespero logo, fico de olhar baixo, triste, somatizo com mal-estar, mas temos que nos fingir de forte, nos garantir por si mesmo.
Fingir que nada acontece ou evitar o tratamento não é saudável, devemos esmiuçar os sintomas, aceitar o que vier, e acreditar na probabilidade da cura, seguindo o instinto e a razão.
O medo da morte existe, poucos não tem esse medo, principalmente quando o diagnóstico é câncer como acabou de acontecer, o maior de todos os problemas é o emocional abalado, o olhar pra trás e relembrar a tia, a vizinha, a conhecida, a colega de trabalho que partiram pelo mesmo motivo.
É difícil admitir que tudo contribui para o bem, que as coisas não acontecem por acaso, que é necessário tratamento médico invasivo, que não deveríamos nos constranger em ficar careca, ou em desapegar dos cabelos.
Essa luta exige um grande esforço, enfrentar pela enésima vez ou se curar em três seções, só o tempo dará respostas, o importante é ter força para não fraquejar.
Nessas horas o consumismo perde sentindo, ah se saúde vendesse em prateleiras de mercados, ah se o tempo fosse comprado em moedinhas para se viver a minha vida de outro jeito, sem tanta rebeldia, ah se a dor fosse tão provisória quanto a dor de parto.
Mas era só o começo, as lições que a vida oferecia, a dificuldade em entender, a apreciação de si mesma ou fora de si, as forças ziguezagueavam, aquilo a destruía, estava viva e não sabia até quando. Estava sendo mimada por todos ao redor, uma espécie de pena, merecimento, argumentos suficientemente simplistas, nem tinha a necessidade de acreditar nos fundamentos que levam a pessoa a ter câncer, ou ainda nas lições que cada momento é precioso.
Continuou o tratamento com a tolerância de monge budista, minimizou os efeitos sorrindo e nunca se lamentando, contemplou o belo e os mares, viveu como se não estivesse doente, continuou todos os seus projetos, a faculdade não foi trancada, nem as aulas de dança, apenas esperava a doença dar seu consentimento para recomeçar as atividades.
O ponto final estava próximo, não havia mais esperanças, as atribuições dos médicos já não eram suficientes, a morte era previsível, misteriosa, insegura, algo a ser superado.
Parecia ridículo dizer isso, mas não havia diferenças entre aquela jovem saudável e aquela jovem doente, era o mesmo amor, a mesma lembrança, os mesmos exemplos, aquele olhinhos doces, a normalidade com que conduziu todo o processo, a falta do desespero, o modelo a se imitar.
O tempo não foi cavalheiro, não foi relativo, não melhorou as coisas, não havia possibilidades de salvação, não na terra, ai de mim com tanta consciência deixar-me ir quando chegar a minha vez, presumir que tudo tem seu fim e que o fim é só o começo.
Ela se foi e eu jamais conheci alguém como ela, jamais poderia sonhar em conhecer alguém tão jovem e tão corajosa, que sirva de lição para mim, que eu não guarde rancor, que eu não perca a direção das coisas, que eu entenda que a coincidência afortunada de participar dessa história mesmo como coadjuvante me transforme em alguém melhor do que fui ontem.
- Arcise Câmara
- Crédito de Imagem: noticias.r7.com



















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