Ter uma pessoa doente na família
não é fácil, eu me desespero logo, fico de olhar baixo, triste, somatizo com
mal-estar, mas temos que nos fingir de forte, nos garantir por si mesmo.
Fingir que nada acontece ou
evitar o tratamento não é saudável, devemos esmiuçar os sintomas, aceitar o que
vier, e acreditar na probabilidade da cura, seguindo o instinto e a razão.
O medo da morte existe, poucos
não tem esse medo, principalmente quando o diagnóstico é câncer como acabou de
acontecer, o maior de todos os problemas é o emocional abalado, o olhar pra
trás e relembrar a tia, a vizinha, a conhecida, a colega de trabalho que
partiram pelo mesmo motivo.
É difícil admitir que tudo
contribui para o bem, que as coisas não acontecem por acaso, que é necessário tratamento
médico invasivo, que não deveríamos nos constranger em ficar careca, ou em
desapegar dos cabelos.
Essa luta exige um grande esforço,
enfrentar pela enésima vez ou se curar em três seções, só o tempo dará
respostas, o importante é ter força para não fraquejar.
Nessas horas o consumismo perde
sentindo, ah se saúde vendesse em prateleiras de mercados, ah se o tempo fosse
comprado em moedinhas para se viver a minha vida de outro jeito, sem tanta
rebeldia, ah se a dor fosse tão provisória quanto a dor de parto.
Mas era só o começo, as lições
que a vida oferecia, a dificuldade em entender, a apreciação de si mesma ou
fora de si, as forças ziguezagueavam, aquilo a destruía, estava viva e não
sabia até quando. Estava sendo mimada por todos ao redor, uma espécie de pena,
merecimento, argumentos suficientemente simplistas, nem tinha a necessidade de
acreditar nos fundamentos que levam a pessoa a ter câncer, ou ainda nas lições
que cada momento é precioso.
Continuou o tratamento com a tolerância
de monge budista, minimizou os efeitos sorrindo e nunca se lamentando,
contemplou o belo e os mares, viveu como se não estivesse doente, continuou
todos os seus projetos, a faculdade não foi trancada, nem as aulas de dança,
apenas esperava a doença dar seu consentimento para recomeçar as atividades.
O ponto final estava próximo, não
havia mais esperanças, as atribuições dos médicos já não eram suficientes, a
morte era previsível, misteriosa, insegura, algo a ser superado.
Parecia ridículo dizer isso, mas não
havia diferenças entre aquela jovem saudável e aquela jovem doente, era o mesmo
amor, a mesma lembrança, os mesmos exemplos, aquele olhinhos doces, a
normalidade com que conduziu todo o processo, a falta do desespero, o modelo a
se imitar.
O tempo não foi cavalheiro, não
foi relativo, não melhorou as coisas, não havia possibilidades de salvação, não
na terra, ai de mim com tanta consciência deixar-me ir quando chegar a minha
vez, presumir que tudo tem seu fim e que o fim é só o começo.
Ela se foi e eu jamais conheci
alguém como ela, jamais poderia sonhar em conhecer alguém tão jovem e tão
corajosa, que sirva de lição para mim, que eu não guarde rancor, que eu não perca
a direção das coisas, que eu entenda que a coincidência afortunada de
participar dessa história mesmo como coadjuvante me transforme em alguém melhor
do que fui ontem.
- Arcise Câmara
- Crédito de Imagem: noticias.r7.com
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