Estava doida
que o domingo terminasse para que eu pudesse desmoronar. Eu nunca tive um pai e
não era da turma dos privilegiados. Quando comecei a estudar aos 10 anos eu
tinha muita dificuldade, me sentia burra e lenta.
A minha
única aposta de um avida melhor seria meter a cara nos livros, assim como
diziam rapadura é doce, mas não é mole, assim eu senti que era a vida. O mais
estranho era eu não me sentir criança aos 10 anos. Eu não me sentia uma mulher,
mas tinha tantas responsabilidades que me sentia adulta no meu mundo infantil.
Eu não tinha
para quem chorar as pitangas, eu não tinha dinheiro e nem a minha família que
consistia na minha mãe e vários irmãos. O meu estômago às vezes doía, a gente
era acostumado com pouca comida.
A vida era
simples, mas minha mãe era categórica: nada de roubar. Não tínhamos nada, mas
não precisávamos de nada que não fosse verdadeiramente nosso. A vida era azeda,
não é porque era pobre que eu não tinha aqueles sonhos “luxuosos” de ter a boneca
do comercial.
Dinheiro só
tinha sentido com honestidade mamãe repetia, acho que ela tinha medo da gente
ter aquela personalidade de conseguir o que quer a qualquer custo. Nunca fomos
com sede ao pote.
Por mais
pobres que nós fôssemos ainda ajudávamos os necessitados, mais necessitados que
nós. Sempre tínhamos uma xícara de açúcar para doar, ou compartilhar o peixe dado por aquele
político em véspera de eleição.
Lembro da
vida com muita alegria, era dureza, mas a gente se divertia com latas no chão,
com o pé de jaca, com as buzinas e sons, a gente se divertia com a imaginação,
com a ideia de viajar de avião...
A razão da
minha existência nunca foi o dinheiro, a gente não era tudo farinha do mesmo
saco, a gente comia mais com os olhos do que com a boca, a gente era feliz
amando.
Por outro
lado, tinha o lado triste e de humilhações. Mamãe sofreu para nos ter, os
hospitais a recusavam. Mamãe já ficou em corredor de hospital, sem dinheiro
para comprar remédios, mamãe já foi acusada de furto, coisas que deixavam a
gente bem triste.
Eu amava refresco,
nem consigo descrever a sensação que tive quando tomei suco delicioso pela
primeira vez, era uma situação inusitada, parecia que eu nunca tinha tomado algo tão gostoso e de fato nunca
mesmo.
Às vezes
dava vontade de largar tudo e ir embora sem rumo, mas eu sempre conseguia me
recompor e assim a alegria voltava, os sonhos ficavam mais atraentes, a vida
parecia normal e eu internalizava que eu não podia desistir. Desistir não era
uma opção. E foi assim que foquei nas conquistas que o estudo poderia me
proporcionar e descobri o significado forte das palavras lutar e conseguir.
Arcise
Câmara
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