Esse sentimento é vivido na gratuidade, tenho
medo de tudo, de não conseguir memorizar a fórmula, de deixar meu namorado à
vontade e ele me deixar, de flores desabrochando num dia e morrendo no outro.
Tenho medo de segredos, de coisas escondidas,
de esquecimentos, de perda da confiança entre o casal, de espírito não
evoluído, de emoções insanas, de esforços não coroados e de duas pessoas que jamais
se entrelaçarão.
Tenho medo de não qualificar o pensamento na
plenitude, das influências, de deixar a oportunidade escapar pelos dedos, de
tragédia alheia, do sofrimento, de pessoas olhando para mim de todas
as direções.
Tenho medo dos sonhos da alma e dos conflitos com os instintos,
da noção irreal da minha
capacidade física, da falta de concentração, do cansaço constante, de quem valoriza
muito as aparências.
Tenho medo de achar normal irmãos se socarem
de vez em quando, de fazer das emoções sentimentos mesquinhos, de perder meu
filho, de parar de refletir sobre tudo que me cerca, de assumir o papel de mulher
submissa.
Tenho medo da dor mais aguda, da morte das
pessoas que mais amamos, de comprar sem nenhum planejamento prévio, de não ver
a diferença marcante no relacionamento abusivo, de casamento como uma convenção
externa, por birra ou por farsa.
Tenho medo de amar simplesmente por amar, de
desconfiar da felicidade, de me deixar levar, de ser a adulta insegura e
queixosa, de vivenciar tristezas, de não dar o melhor de mim.
Tenho medo de histórias racistas, de ignorar
quem sofre ao meu lado, de contribuir para a glamourização da vida perfeita que
não existe, de ser marcada por falta de afetividade, de querer tudo agora.
Tenho
medo de perder o desejo genuíno da simplicidade, de mostrar palavras e não
atos, de querer me dar bem em quaisquer circunstâncias, em transformar-me numa
pessoa pior, de perder a decisão sobre meus atos.
Tenho medo de macular as evidências essenciais
e divertidas, de ser obrigada a me adequar, de relacionamentos tensos e
perturbadores onde eu ainda luto acreditando ser a melhor coisa.
Tenho medo de mandar pessoas as favas e não
lembre que eu preciso tolerar e viver as virtudes que não tenho.
Arcise Câmara
Imagem: vírus da arte
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