Fui criada podendo fazer todas as perguntas do mundo.
Perguntar não ofende, dizia meus pais. Tive que caminhar um trecho considerável
porque ele me deixou na beira da estrada. Sim, eu não podia discordar que as
atitudes tomavam proporções inimagináveis.
Os agregados ficaram com pena de mim, eu me senti
humilhada, parecia caso único, parecia que a tarde tinha virado noite de forma
muito rápida. Fiquei irritada, confesso que mais comigo mesma por deixar chegar
a esse ponto.
Eu não cheguei ao altar sozinha. O amor exige liberdade,
se eu não puder dizer não sem que o outro queira me largar, então pode ser
apenas ilusão de ter sempre o sim na mão.
Bebi ao ponto de não poder mais zelar pela própria
segurança, eu vomitei e quase cheguei ao coma, eu precisava de pileque para
entender que eu estava condicionada a respostas padronizadas de que homem é
assim mesmo, tem seus repentes.
Eu me sentia tão justa no mundo dos injustos, tão boa no
mundo mal. Antes de dormir dei uns berros, gritei e chorei sem me preocupar com
os vizinhos. Nada na vida me impedia de surtar quando eu precisava. Era minha
fonte de sanidade.
Depois de um dia, ele me toca quando passa, faz piadas e
gracinhas, diz coisas fofas com a certeza que apagaria qualquer humilhação. Eu
não era a vítima desprivilegiada, eu só o compreendia demais e estava sempre
pronta a perdoar.
O mesmo problema me importuna por anos a fio, a vida dele
se resume à família, as contradições entre me “amar” e não me respeitar.
Desisti de expectativas. Muitas vezes respeitamos as normas mais por castigo
que por convicção, nunca se mostrou disposto a conversar.
Não existe entrosamento, nada que justificasse eu estar
disponível para me dedicar ao relacionamento, nosso maior bem, que seria o
amor, não era concreto. O larguei sem jamais receber o devido reconhecimento.
Fui ousada, destemida, estava desempregada, não tinha dinheiro nem para comprar
escova de dente.
Quando a dor excede o amor, a relação se torna destrutiva
e perde o sentido.
Arcise Câmara
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