Longe de pretender esgotar o assunto, meu objetivo era
estimular reflexões e desafiar as explicações convencionais para
as traições afetivas. Quero, agora, após resumir o que foi dito nos
artigos anteriores, oferecer um posicionamento final.
Comecei a série lembrando que o
ato de trair é consciente. As pessoas traem porque acreditam que
podem fazê-lo, mesmo que depois se sintam culpadas. Os motivos
que geram os atos infiéis, porém, podem não ser
conscientes. Impulsos inconscientes de
autoafirmação, possessividade e autodestruição frequentemente
levam à infidelidade. Do mesmo modo, motivam a
traição, inconscientemente, a imaturidade (incapacidade de lidar
com os limites) e a insegurança (dificuldade de perceber
a importância que tem para o outro, negação da própria capacidade de
construir relações ou insistência em desqualificar o parceiro).
Por fim, também são inconscientes os motivos de quem trai por não ter
competência para lidar com as próprias emoções e as do outro,
bem como para negociar diferenças nas relações.
Entre os motivos conscientes das
traições estão a vingança (de quem foi traído ou por qualquer outra
razão sente raiva do parceiro), a decisão de não reprimir o desejo (por
querer mais sexo ou variedade erótica do que encontra no casamento) e
a ânsia por liberdade (por considerar a monogamia uma hipocrisia
e uma forma de controle). Quem trai por liberdade interpreta a
monogamia como uma lei que não deve mais ser obedecida, uma vez que
os hábitos se transformaram, trai por rebeldia, como protesto. E há também
quem diga que trai para salvar o casamento: embora tenha
insatisfações em relação ao parceiro, acredita que é melhor estar casado;
ou quer se separar, mas teme a reação do outro. Para estes últimos, trair
é um jeito de atenuar o convívio com o parceiro indesejável.
Já virou lugar-comum dizer que, se a
postura infiel não gerar culpa nem tumultuar a vida da pessoa, e se
ela souber administrar a variedade de experiências e os riscos de ser
descoberta, então sua infidelidade é apenas uma escolha — e, portanto,
subentende-se, aceitável. O estilo de vida individualista
atual de fato tolera atitudes egoístas e banaliza comportamentos
cínicos.
A verdade é que sempre que alguém se
vê obrigado por outra pessoa a passar por situações
inaceitáveis estará sendo vítima de uma relação de poder e sua
saúde mental estará em risco. É o caso da traição. Trair é um ato de
poder. Deixaria de sê-lo só se a opção fosse escolha dos envolvidos.
Conheço um casal cujo marido perdeu a libido por problemas
de saúde. Sua mulher sempre foi companheira fogosa e ele sabia
disso. Ele disse à esposa que se sentia culpado por não
poder satisfazê-la e que aceitaria se ela tivesse um
amante, desde que lhe omitisse caso se apaixonasse por
outro. Aqui não existe traição, casamento aberto nem exercício
de poder. Há a opção construída por ambos, que eticamente
contemplou necessidades mútuas. A luta para libertar as relações
afetivas das disputas pelo poder é o “arroz-com-feijão” dos
consultórios psicológicos. Enquanto formos complacentes com atos
infiéis, estaremos atrasando a evolução ética dos relacionamentos
afetivos.
Fonte:
Caras/Rosa Avello
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