Nenhuma lembrança consciente, estava numa associação que me
parecia forçada, gostava de rezar: Ó maria concebida sem pecado. Rogai
por nós que recorremos a vós”, mesmo que não tivesse muita sintonia com Ela.
Trouxe isso da minha mãe.
Experimentei o momento presente, visitei o cemitério, sempre acho
reconfortador, ajuda a trivializar a vida, ajuda a pensar sobre essas questões,
dá para considerar sentimentos, analisar o que é confiável.
Uma vida mentirosa é um desperdício, revivi as antigas feridas
abertas na infância, sofri uma terrível perda prematura, eu fazia tudo para
chamar a atenção, ganhar ou perder nunca foi questão de chance, eu sempre
perdia.
Jamais me recuperei da perda de minha mãe, sempre me senti
sufocada e julgada por não ter uma representante legal na infância, fui deixada
sozinha para descobrir o caminho, sempre os outros eram mais autossuficientes
do que eu.
Minha capacidade de florescer em qualquer relacionamento era complicada,
sempre fui muito carente, poderia ter sido um divisor de águas na minha vida,
poderia ter me fechado, mas não foi isso que aconteceu. Eu precisava
transbordar de alguma maneira, então fui para o lado da extroversão.
Quando criança, não aguentava mais ouvir coisas importantes de
forma enigmática, parecia código secreto da eterna ampulheta da vida e seu imortal
mistérios. Muita gente acha que abandonei a religião, mas na verdade, nunca fui
apresentada a espiritualidade.
Hoje, o silêncio das igrejas me tranquiliza, sinto a presença do
Ser Superior e saber da existência de Deus e do mundo sagrado me conforta. Por vários
momentos da vida corri riscos, especificamente em relação a pedofilia, todo
mundo queria me dar o carinho que me faltava, às vezes com segundas e terceiras intenções.
Tive que dar passos loucos para crescer e desenvolver com a
referência de uma pessoa boa, porém imaginária, no fundo queria que minha mãe
tivesse orgulho de mim, onde quer que ela estivesse.
Não deixei as dificuldades acabarem comigo, tentei ser a pessoa
mais gentil e paciente que poderia ser, comecei a me decifrar por dentro e
justificava com sabedoria cada ato meu.
Assim, entre valores vazios e crenças oscilantes superei a mim
mesma.
Arcise Câmara
Imagem: esbocandoideias.com
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