quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Esse retorno é frequentemente satisfatório


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Continuo vivendo como se esse assunto não tivesse nada a ver comigo, não gosto de falar sobre o fato de estar em tratamento para curar um câncer. Já fazia muito tempo que não me sentia assim, fora do contexto.
Se não fosse pela falta de cabelo, eu não diria que tem algo errado comigo, não sinto nada, além dos enjoos do tratamento, me vi sozinha sendo mãe de mim mesma.
Essa decisão partiu do fato deu ter pais idosos e emotivos, então resolvi dominar tudo que estivesse no meu alcance para que houvesse pouco sofrimento. Brincar de Poliana também me faz bem, essa fuga da realidade ajuda e muito no tratamento, é só acreditar que tudo vai ficar bem.
Em nome da modernidade resolvi usar perucas, é quente e incômoda, mas era menos angustiante que ver vários olhares de pena e de reflexões como: “puxa é tão nova”, “que maldição!”, “você tinha mágoas?”...
O câncer destrói seu ego, gera uma pequena regressão emocional, um “quiz” da vida. As coisas que falei e as que não falei, as coisas que vivi e as que não vivi, as mágoas que carreguei inutilmente, a vaidade, as lembranças boas e não tão boas e a cobrança de ficar em paz com o mundo antes de partir, mesmo que alguns sentimentos mesquinhos ainda estejam dentro de você.
Algum mérito eu tive para essa evolução, porque a doença também se manifesta na alma, te move ao que há de mais puro, te leva a caminhar até um altar só teu, acaba com qualquer perspectiva de planos a longo prazo. O hoje é o que importa.
Quem inventou isso de viver o momento presente intensamente? De agradecer o tempo todo? De poder estar certa ou errada e recomeçar? De amar o feio e o bonito de agregar a nossa vida apenas o fundamental?
Ressentimento, confusão e desconfiança faz parte, convicções íntimas também, dúvidas sobre suas crenças, sua fé, seu universo, sobre a morte e sobre morrer aos 28 anos gera escolhas de aceitação ou rejeição.
Já estive pelas duas fases, é preciso ter uma válvula de escape para não termos uma única fonte de prazer que pode ser comida, amigos, fé, família, amor, namorado, trabalho, por do sol, lua, leitura, livros, cheiro, esperança.
Meus pensamentos me levam para longe, a porta está sempre aberta para uma realidade de cura ou de passagem, nas duas você ganha e eu só entendi esse jogo que a gente não perde nunca com essa doença. Vou continuar vivendo um dia de cada vez e só por hoje ser plenamente feliz.
Arcise Câmara

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