Deixa eu me organizar, organizar os
pensamentos, organizar o coração, espantar a dor, é difícil viver sem seu pai
sorridente, é difícil viver sem um pai que teve colhões para ser firme e
enfrentar a educação com maestria.
O tempo passa e as pessoas esquecem, mas eu
jamais esquecerei de ti, jamais esquecerei das joias que me dava todo dia com
as suas conversas fiadas, com os ensinamentos de que eu deveria ceder, você me
dizia que eu pisava no calo de muita gente com meu jeito espontâneo e que eu
tinha muito charme e carisma.
Quantas discussões salutares tivemos sobre grupo
evangélico que protestam contra pesquisas de células tronco, sobre o meu jeito
de andar tão parecido com o da minha mãe, que a gente não trabalha só por questões
financeiras, que a família não se resume a filhos, que a aparência não é o mais
importante, mas que eu deveria emagrecer para ter mais saúde.
Choro sem parar e não me conformo. Por que
tudo que é bom dura tão pouco, por que minha vida comum se transformou num
inferno, por que é importante se fingir de forte quando as coisas começam a
piorar. Não sei manter as aparências, não consigo ser generosa quando estou com
a dor a ponto de explodir, perdi a confiança no caminho, não queria enfrentar o
que estava por vir.
Não me senti bem pelo resto do dia, não me
senti bem por semanas, meses, anos, não há alternativas lógicas para curar a
dor da perda, é preciso enfrentar esse momento com coragem, abreviar a história
que poderia ser mais longa, entender o meu lugar nesse mundo sem perder a fé,
sem ofender ou pisotear em solo sagrado.
Tem mil coisas que eu deveria ter feito e não
fiz, mil palavras que poderia ter sido ditas e não foram, mil abraços apertados
e beijos contados. Pai afasta de mim esse cálice era a frase que eu repetia
mentalmente todas às vezes que eu estive no fundo do poço.
Depois da perda nada ficou sob controle. Opa,
foi mal, desculpa ser tão fraca aos seus olhos, não sou de me gabar por nada
mas teria ganho o Oscar de sofredora do século, uma experiência de vazio sem
sucesso de preenchimento. O meu coração se despedaçou em infinitas partículas
invisíveis
Perder alguém que se ama é como sempre olhar
para o passado, para as lembranças, ao longo desses anos eu não me acostumei,
você era tão firme, enfrentava com forças qualquer situação, eu repasso aquela
noite na minha cabeça todo santo dia, perdi a mania de ser feliz sem a sua
companhia.
Por vezes preferia não contrariá-lo porque a
sua cabeça era tão dura quanto a minha,
eu nunca estive preparada e sempre estive paranoica com a possibilidade
de te perder, eu já tinha sido alertada
da possibilidade, mas a gente acredita até o fim, acredita em cura, em
milagres, em força de vontade, em medicina alternativa e em Deus.
Ele sempre foi desprovido de preconceitos,
conheci suas verdades, seus fracassos, suas decisões e aguentei as
consequências de algumas delas, era um artista na arte de falar, não era tão
paciente, mas tinha sutilezas.
Não dou nenhum passo em falso sem
acompanhamento de uns calmantes, estou correndo riscos de adoecer, minhas
feridas estão abertas e longe de serem cicatrizadas. Deixa estar, tudo vai
passar, menos essa saudade infinita.
Fui direto para o quarto dormir, tentar
dormir, fazer um ensaio geral do sono profundo, aquele que você deseja dormir
para não acordar nunca mais, ou melhor ainda, aquele que você pretende acordar
acreditando que tudo aquilo era apenas um pesadelo.
Ninguém suporta o menor sofrimento provocado
pelos outros, somos por vezes intolerantes e grosseiros, usamos o nosso
sorrisinho de praxe para os pontos fracos dos outros e nem sempre exaltamos
suas qualidades, às vezes no máximo sorrindo de orelha a orelha. Tento me recompor,
despistar a dor de alguém é relativamente fácil, mas quando a dor é nossa,
quando a separação é nossa, fica tudo incompatível.
Prefiro sempre estar na companhia de alguém,
tenho todo o tempo do mundo a perder, desisti de projetos dos quais ele não se
orgulharia, fazia movimentos bruscos na cama a fim de afastar o pesadelo. Já
não me importava com absolutamente nada, porém todo mundo me dizia:
isso-vai-passar.
Arcise Câmara
Imagem We Heart It
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