Esta noite não, estava cansada demais
para discutir a relação, precisava de uma folga, pelo menos uma vez por semana
queria dormir em paz, sem antes ter de chorar, sem estar com o coração
apertado, sem precisar me explicar o óbvio, éramos diferentes e precisávamos
nos respeitar mutuamente.
Na sua concepção de família feliz eu
não chegava aos seus pés e teríamos muito trabalho pela frente até que eu me
moldasse, estava ressentida demais, não desejava ser outra pessoa, mas também
não estava cega que não precisava de mudança, precisava sim, mas não impostas
na base das ameaças.
Era tudo muito conflitante, precisava
fingir estar dormindo e acabar dormindo de verdade, precisava lembrar como eu
era antes de tantas imposições, procurava na memória quem era eu, alguém se lembra?
Peguei gosto por fingir e mentir,
dava certo então virou tática rotineira, não era embaraçoso, não tinha que me
justificar, apenas tornei-me a velhinha cansada e sonolenta de todos os dias, a
desmemoriada, a que não faz nada por mal, era apenas cansaço, para mim, uma
fuga mágica.
Todos os problemas eram
insignificantes, quando não estamos na sintonia do amor, olhamos o outro com os
olhos da lama, magoamo-nos facilmente, tudo vira desastres, tudo é abismo, o tempo vira
eterno, mas não o eterno dos enamorados e sim o eterno das horas que não
passam, do tédio que se instala.
Eu não me reconhecia, o sono virou
prazer, eu me esqueci de dizer que estava viciada no sono, dormir me fazia bem,
achava incrível dormir cedo, mesmo com os resmungos do
“Já?”.
Que merda! Tudo que é demais causa
dúvidas, questionamentos, argumentos, tudo estava mal, não segreguei as coisas
e misturei tudo, fiquei mal espiritualmente, fiquei mal como mãe, fiquei mal
como filha, fiquei mal como profissional porque estava mal como esposa.
O meu jeito de se vestir também
sofreu variações, não existia vontade mínima para que eu me sentisse bem comigo
mesma, eu me achava insignificante demais no momento para estar ou me sentir
linda, eu não me respeitava o suficiente para curar as feridas internas, eu menosprezei
todos os sinais internos de valorização pessoal, eu tinha desdém de mim mesma.
O recomeço, custou, mas chegou, como
a mudança de estação do inverno para a primavera.
- Arcise Câmara
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